POR MARCÍLIO FALCÃO
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Há alguns dias, pediram-me uma opinião sobre uma entrevista entre uma figura conhecida da área de concursos e uma mentora de um curso preparatório para o CACD. Conversaram, por meia hora, sobre mitos de aprovação no concurso. Diga-se de passagem, nenhum dos dois jamais passou no concurso de diplomata.
Sem qualquer intenção de diminuir a moça, que parece muito esperta e comunicativa — e até bem-intencionada —, uma das primeiras frases do entrevistador (uma daquelas que passam despercebidas por ouvidos incautos) me deixou estupefato: ninguém melhor do que saber (sic) esses mitos da preparação do que você. Depois de ouvir essa pérola, que reverberou por instantes em minha mente cansada, esforcei-me para manter a atenção e continuar assistindo ao vídeo. Debateram então sobre ser necessário ou não ser fluente nos idiomas estrangeiros para virar diplomata. Parei de assistir por ali. Não dava para continuar.
É perigoso seguir conselheiros profissionais que nada têm a perder quando seus palpites se revelam inúteis ou mesmo danosos.
Ouvir conselhos de quem não passou no concurso (a menos que sejam sumidades de renome, legítimos especialistas no assunto) é o mesmo que pedir a um vegetariano dicas de como fazer um churrasco perfeito. Faz sentido?
Dedico-me à educação há 23 anos, doze dos quais como diplomata. Esse tempo de docência, apesar de intermitente, me ajudou a desenvolver a empatia e o interesse genuíno em contribuir para o sucesso dos projetos de meus alunos. No campo da preparação para concursos, acompanhei direta e indiretamente dezenas de aspirantes ao CACD, criei métodos de estudo para concursos de elite e um programa de coaching para uma destacada empresa do mercado. Ainda assim, sempre que fui convidado a assumir projetos de orientação individualizada para outros certames, sempre recusei. Como posso sentir-me seguro para preparar alguém, no corpo-a-corpo, para o concurso da Polícia Federal, quando sei que há dezenas de delegados mais qualificados? Meu conhecimento sobre o concurso de DPF não tem como ser melhor que o deles. A única pulada de cerca que dei para fora da diplomacia, a título de orientação individual, foi um planejamento para residência médica, quando aprendi que não se pode dar o que não se tem. A jovem médica, muito empenhada, acabou conseguindo a aprovação em uma de suas opções, mas, confesso, mais por esforço e méritos seus do que pelo apoio que lhe prestei.
Há muitos diplomatas — que são os que sabem de verdade como passar no CACD — com páginas de Instagram e Facebook que dão dicas, fazem coaching, dão aulas e tentam ajudar o máximo de pessoas que podem. Muitos o fazem gratuitamente. Aproveite esses recursos. Poupe seu dinheiro e seu tempo. Acredito que o mercado em torno do CACD merece mais. Por isso, trago um pouco do que conheço e vou dando pitacos aqui e acolá.
— Mas então, meu bom Marcílio, preciso ser fluente nos idiomas? Pouco importa a definição de fluência, meu jovem Padawan! Si vis pacem, para bellum: antevejo que a batalha será a mistura de Highlander, Jogos Mortais e Jogos Vorazes encenada no Vale do Flegetonte, do sétimo círculo do inferno! Trate de reunir, portanto, suas melhores armas.
Esse papo de não precisar ter um nível avançado nos idiomas é um convite à mediocridade. Não tolere estar entre os medíocres. Quanto mais profundo seu domínio dos idiomas, melhor.
Se cambaleia nas línguas, tem que compensar em outras matérias para ter alguma chance, e isso tampouco é fácil. Seja exigente consigo mesmo. Tenha como meta ser o melhor. Não se contente só em passar — passe em primeiro lugar! Desenvolva-se em todas as matérias, mas principalmente refine sua capacidade de expressão, comunicação e persuasão que, no caso do CACD, se dá por meio do texto. É assim que ascende ao topo de qualquer estrutura hierárquica. Falarei disso e de como aprender os idiomas do CACD da forma mais eficiente em outras postagens.
Lamento ser o mensageiro de uma verdade ingrata e dolorosa: o concurso não é para qualquer um. Existe uma fagulha (chame-a como quiser: bagagem prévia, inteligência, facilidade natural) nos futuros aprovados que inflama quase que profeticamente na hora certa, mas que só se confirma ex post. Não se consegue prever quem vai passar, por mais que digam o contrário. São muitos fatores envolvidos. Sorte, em grande parte! Cabe ao aspirante dar seu melhor e ter fé. Mesmo assim, esforço e sucesso nem sempre se encontram. As doze mil horas de leitura de quem estudou mas não passou não valem nada se a aprovação não se concretiza. Conheci (várias) pessoas que estudaram inglês por dez anos e não o aprenderam suficientemente bem sequer para passear na Disney. Não tirariam mais de 10 na prova de segunda fase, dado o nível de exigência do certame! Alguns dos que estão lendo este texto vão precisar de mais de quatro anos para dominar os idiomas em um nível competitivo para enfrentar não só as provas, mas também a concorrência, que só aumenta a cada ano. Já outros, infelizmente, jamais absorverão a gramática francesa ou poderão escrever com naturalidade sobre Macroeconomia, por exemplo.
Tendemos a superestimar nossas capacidades intelectuais e sociais e até achar que vamos ter a sorte (que pouquíssimos têm) de atingir a aprovação com pouco tempo de estudo.
A ideia de que é perfeitamente possível transformar gazela em leão em um ou dois anos é um engodo. É vendida como se fosse alcançável por qualquer um mas só se aplica a uma minoria pouco representativa da real complexidade dessa empreitada. Por isso o veneno é servido em taça de ouro. Não é à toa que as pessoas adoravam quando Xuxa dizia que tudo pode ser, só basta acreditar. Entretanto, em 99,5% dos casos (5.268 dos 5.294 candidatos, em 2018), gazelas não viram leão (e acreditar não basta), a despeito do quão intensamente ou por quanto tempo tentam crescer a juba! Não é que quase todos não passarão este ano: a dura verdade é que quase todos nunca passarão! — Ah, mas fulano passou de primeira, com oito meses de estudo. Se ele pode, eu posso! Claro que pode! Nunca disse que não! Ninguém pode! Mas conhece o efeito Dunning–Kruger? Tendemos a superestimar nossas capacidades intelectuais e sociais e até achar, no contexto do CACD, que vamos ter a sorte (que pouquíssimos têm) de sermos aprovados com pouco tempo de estudo. Afinal, torcer é de graça! — Ora, há exceções! Posso ser uma delas e passar rápido! Pode. Mas não estou pregando para as exceções, e você tem maiores chances (estatísticas, digo) de ser a regra, não um ponto na região de quatro desvios-padrões da curva! Por isso, não importa o tempo médio de aprovação, você tem muitas razões para não entrar nessa caçada no papel de gazela. Mas já comecei a divagar…
Nesses doze anos de Itamaraty, conheci muitos colegas brilhantes. Gente tão inteligente e talentosa que não me surpreendo quando descubro que passaram na primeira tentativa. Quando você se deixa convencer de maneira inocente de que vai passar de primeira se comprar determinado produto mirabolante, saiba que está competindo com gente desse calibre. Para a maioria esmagadora das pessoas, a batalha será sangrenta.
Este amigo — que arrisca perder sua simpatia com essas palavras — é duro, mas sincero: passei por isso e vi muita gente trilhar o mesmo percurso. Este texto não foi escrito para desanimá-lo. Pelo contrário: se o caro leitor teve vontade de xingar minha pobre mãezinha ou se sentiu desafiado, assumo terei cumprido meu objetivo de alertá-lo que sua taça de ouro estava envenenada. Se você conduz seu projeto com consciência, estratégia, método, disciplina e fé, já está fazendo muito mais do que qualquer consultor pode fazer por você.
Marcílio Falcão
Diplomata
Marcílio Falcão (@falcao.marcilio) é diplomata de carreira há quase 12 anos e orientador para o CACD. Jornalista de formação, iniciou-se na docência há 23 anos e se dedicou, de forma intermitente, desde sua aprovação no CACD, à preparação de outros candidatos ao concurso.
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