POR PEDRO SOARES
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O presente artigo traz dicas de estudo de História Mundial, particularmente para aqueles candidatos que estão dando seus primeiros passos na disciplina.
Os candidatos não-iniciados nas artes arcanas e herméticas das Ciências Humanas frequentemente se sentem perdidos quando sentam para estudar história — seja ela do Brasil ou Mundial. A leitura por vezes é difícil e amiúde enfadonha; por vezes os autores partem de pressupostos não-ditos; e mais comumente ainda, não explicam certos eventos por considerarem informação banal — partem da ideia de que o leitor já sabe do que se trata. Tudo isso se torna mais embolado quando autores interpretam um mesmo processo de maneiras diferentes! Não fiquem doidos, é assim mesmo e, com o tempo, todo mundo pega o jeito. Fundamental para superar essas dificuldades iniciais é trilhar o caminho a partir de certas etapas e não tentar dar um passo maior que a perna.
Dessa forma, apresento a vocês uma proposta de como se aproximar dos conteúdos da disciplina que, me parece, soa como um passo-a-passo didático.
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Os conteúdos elencados no edital do CACD para História Mundial claramente foram recortados para a compreensão da contemporaneidade. Sem dúvida, a “peneira” busca selecionar - pelo menos teoricamente — os candidatos que entendem as raízes do mundo atual. Assim é que, com a exceção da Revolução Inglesa do século XVII, os conteúdos remontam de meados do século XVIII até o fim da Guerra Fria (e com a adição do ponto 8, até mesmo as relações internacionais do presente, numa interseção interessante com PI).
Em se tratando de História Mundial, contudo, o recorte não pode ser apenas cronológico - como é o caso em História do Brasil. Incluem-se processos históricos em diversas partes do globo, por vezes concomitantes e interseccionados. Podemos citar como exemplo o fenômeno do imperialismo, a Guerra Fria ou mesmo o Congresso de Viena e as revoluções liberais do século XIX. Nesse sentido, HM acaba se tornando uma disciplina relativamente mais complexa do que HB porque requer do candidato uma capacidade de articulação dos desenvolvimentos históricos em diferentes espaços. Tanto pior quanto a característica do TPS - única fase do certame em que cai HM — é bastante conteudista e, cada vez mais, detalhista. Dessa maneira, a constituição mesma do concurso exacerba as dificuldades anteriormente elencadas, exigindo uma preparação específica do candidato para essa disciplina.
Considerando todos esses elementos, acredito que certos métodos podem auxiliar no processo de construção do conhecimento em HM, segundo o grau de preparação do candidato.
História 101
Consideremos um candidato que nunca tenha tomado contato com o conteúdo de História se não no Ensino Médio e que não realizou formação superior nas Ciências ditas Humanas. Qual seria o melhor caminho para adentrar no aparente enigmático mundo dos historiadores?
A mim me parece que a melhor introdução à história é pelas narrativas sintéticas dos conteúdos elencados no edital. Dizendo de outra maneira: a melhor introdução seria aquela que evitasse, logo de começo, os detalhes e se mantivesse circunscrita à compreensão global dos processos. Uma tal abordagem buscaria, assim, compreender de modo amplo certos eventos, isto é, sua cronologia geral, os agentes principais somente, as etapas mais destacadas do processo e, finalmente, uma interpretação mais genérica dos eventos.
No caso concreto da Revolução Francesa, por exemplo, o candidato se preocuparia em guardar a informação de que ela durou de 1789 a 1799 (sem se preocupar em apreender de imediato a cronologia das várias etapas); que os principais grupos e indivíduos partícipes, ao longo de todo o processo, foram os estamentos, a realeza, os sans-culottes, os jacobinos, os girondinos, Robespierre e Napoleão; que as principais etapas e fases foram da Monarquia Absolutista, da Assembleia Nacional Constituinte, da Monarquia Constitucional, da Convenção Nacional e do Diretório; finalmente, que a Revolução Francesa foi uma revolução liberal que derrubou o Antigo Regime francês.
Uma leitura tal da Revolução permite ao candidato iniciante ter informações suficientes para, no aprofundamento seguinte a ser feito, não ficar confuso ou perdido. Ter em mente o enquadramento geral de um evento ou processo histórico permite ao estudante ir acrescentando aos poucos as informações mais detalhadas - digamos, ir mergulhando no micro — sem perder de vista o todo — digamos, o macro.
O primeiro mergulho
Depois de ter passado por essa fase inicial de aclimatação ao estudo de um determinado conteúdo (e, sem dúvida, já tendo se acostumado com a maneira pela qual os historiadores apresentam suas narrativas), encontrando-se num estágio intermediário de preparação, chega a hora de o candidato realizar o primeiro aprofundamento. Nesta fase, ele deve ser capaz de apreender mais detalhadamente os processos históricos, guardando outras informações até então “deixadas de lado” em prol de uma compreensão mais ampla. Nesse sentido, nesse segundo passo é necessário preocupar-se mais com as cronologias internas dos eventos ou processos; os agentes principais e secundários; os eventos relevantes de cada etapa e, finalmente, outras interpretações significativas para o fenômeno.
Vamos seguir o exemplo da Revolução Francesa.
No caso da cronologia, é importante agora apreender os recortes do processo:
- França pré-revolucionária (1774 a 1787);
- Revolta Aristocrática (1787-88);
- Estados Gerais/Assembleia Nacional Constituinte (1789-1791);
- Monarquia Constitucional (1791 - 09/1792);
- Convenção Nacional (1792-1795);
- O Terror (1793-1794);
- A reação termidoriana (1794-1795);
- Diretório (1795-1799);
No caso dos agentes, além dos já citados, outros indivíduos e grupos como o abade Sieyès, La Fayette, Danton, Saint-Just, Dumouriez, Hébert, os enragés, a Montanha, a Planície, a Comuna de Paris, os vendeanos, os emigrados, por exemplo. No caso dos eventos mais relevantes, podemos citar de exemplo citar para cada etapa destacada acima:
- França pré-revolucionária (1774 a 1787): as reformas de Turgot, a entrada na guerra americana, a bancarrota francesa, as proposta de reforma;
- Revolta Aristocrática (1787-88): a Assembleia dos Notáveis e sua atuação; a revolta dos Parlements contra o governo real;
- Estados Gerais/Assembleia Nacional Constituinte (1789-1791): o juramento do jogo da Péla, a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, a abolição do feudalismo, a fuga para Varennes;
- Monarquia Constitucional (1791 - 09/1792): o papel do rei no sistema constitucional, o clima de guerra, as facções políticas;
- Convenção Nacional (1792-1795): a proclamação da República, o processo do rei, o avanço francês sobre os inimigos;
- O Terror (1793-1794): as medidas repressivas de exceção, o tribunal revolucionário, a guerra na Vendéia, a expulsão dos girondinos, a revolta federalista, a constituição de 1793;
- A reação termidoriana (1794-1795): o fim do Terror, a perseguição aos jacobinos, a constituição de 1795;
- Diretório (1795-1799): a conspiração dos iguais, o golpe de frutidor, o golpe de floreal, o golpe de 18 Brumário.
Por fim, em se tratando das interpretações, pode-se adicionar a interpretação de Tocqueville acerca da Revolução, qual seja, a de que a Revolução levou adiante a obra de centralização do Antigo Regime; quer dizer, que há uma linha de continuidade importante entre a França pré-revolucionária e a França revolucionária, uma perspectiva diversa de muitos historiadores que preferem elencar a descontinuidade dos dois períodos.
Aprofundando nesse nível, o candidato é capaz de desenvolver um raciocínio relativamente completo da Revolução Francesa. Compreende o movimento geral da Revolução como também de suas fases mais específicas. A rigor, é um estágio de preparação bastante significativo e, possivelmente, capaz de levar a responder adequadamente à grande maioria das questões sobre o assunto. Sabemos, contudo, que tem aparecido cada vez mais itens detalhistas — beirando o nível da crônica histórica. O que fazer?
História sem fim
Nas provas mais recentes — desde pelo menos 2018 — pôde-se perceber uma cobrança mais acentuada de detalhes históricos. Acredito que isso se deva a dois fatores principais:
- A saída dos membros tradicionais da banca examinadora — Doratioto e Antonio Barbosa;
- A mudança de CESPE/CEBRASPE para IADES.
Esses dois elementos somados à ausência de uma bibliografia oficial tornaram o conteúdo da disciplina de história sui generis — há uma delimitação geral no edital, mas pelas características do conhecimento histórico, qualquer coisa dentro dos temas prescritos pode ser cobrada. Assim é que tivemos uma questão sobre o constitucionalismo ibérico em 2018, uma sobre a Fisiocracia e uma sobre os partidos norte-americanos no início da vida independente em 2019, uma questão aprofundada sobre a República de Weimar e outra sobre o liberalismo no século XIX na última prova de 2020/21, isso para ficar em poucos exemplos. Mesmo tratando esse fenômeno como uma “cota da banca”, é inegável que com o aumento da concorrência e a manutenção de poucas vagas por certame, esses itens da dita “cota” acabam ganhando uma particular relevância.
Sendo assim, qual o caminho a seguir? Acredito que numa fase avançada de preparação, depois de alcançados os conhecimentos gerais do passo anterior, o candidato deva se concentrar em acumular cada vez mais informações factuais e específicas dos conteúdos. O estudante deve buscar encher-se de dados ao máximo. Para mudarmos um pouco o exemplo, vejamos de modo concreto com o conteúdo acerca do Congresso de Viena.
Depois de alcançar o entendimento geral sobre o assunto, um aprofundamento avançado nesse período poderia ser dado na leitura e análise das partes significativas dos tratados que compuseram a ordem de Viena. Ou seja, ver os detalhes factuais importantes como, por exemplo, o fato de que o rei inglês retomou o controle do reino de Hanôver, que a Cracóvia foi estabelecida como cidade livre ou que a Polônia manteve-se, pelos termos dos tratados, como reino independente da Rússia, apesar da união pessoal com o czar — situação que se manteve até 1830.
Uma tal abordagem implica na multiplicação infinita de dados, é verdade. Ocorre que esses aprofundamentos podem ser encaixados nos ciclos de estudo, considerando o tempo médio de preparação para o concurso. Utilizando-se de métodos de revisão e memorização, por sinal, tudo isso vai se tornando mais prático e mais rápido.
***
Não me propus nesse texto a passar a receita do melhor método de estudo de história — aliás, não acredito que exista porque não existe “candidato” em abstrato, mas diferentes indivíduos que aprendem de formas diversas. Essas dicas são mais um caminho para os candidatos, particularmente, como dito no início do texto, para aqueles que pouco tiveram contato com o estudo da história ao longo de sua formação. Ademais, sintam-se à vontade para mesclar os métodos das diferentes etapas, segundo julguem mais adequado para o momento em que se encontrem na jornada de estudos.
Pedro Soares
Professor
Pedro Soares é graduado em História e mestre em História pela UNB (2016), com foco na história política do Primeiro Reinado. É doutorando pela UNB sob orientação do prof. Dr. Francisco Doratioto. É professor concursado do Distrito Federal desde 2014. Leciona História para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata desde 2017. É professor titular das matérias de História do Brasil e de História Mundial do Grupo Ubique.
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