POR GUILHERME DINIZ
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Uma introdução necessária - e oportuna
Se pudéssemos enumerar as maiores dificuldades encontradas pelos candidatos à carreira diplomática — particularmente no que se relaciona à História do Brasil —, eu elencaria três:
i. discernir, conscientemente, as diversas correntes e perspectivas históricas apresentadas, tais como história social, história das mentalidades, história cultural, história positivista, marxismo etc, entendendo as particularidades dessas metodologias e dos historiadores que as adotam;
ii. concatenar as informação obtidas a partir das múltiplas leituras com lógica e coerência, dentro de uma narrativa sólida e convincente; e
iii. entender e saber separar o que é o fato histórico — aqui entendido como acontecimento ou vestígio material do passado, como documentos, monumentos, etc. — e as interpretações críticas que lhes servem de explicação, divulgação etc.
Quanto às duas primeiras dificuldades, poderíamos dizer que elas surgem a partir de certa evolução no aperfeiçoamento do candidato, que, por estar mais preparado, precisa cada vez mais refinar sua percepção a respeito da História do Brasil.
Neste artigo, porém, gostaria de me restringir à terceira dificuldade citada, pois a julgo mais urgente e, absorvida o quanto antes pelo ceacedista, seus frutos podem ser colhidos com maior brevidade, seja o candidato mais experiente ou ainda iniciante.
O peixe não percebe a água, assim como nós não percebemos o que nos rodeia
Em contato com a História do Brasil, muitos estudantes deixam de colher frutos substanciais e duradouros — ainda que se dediquem intensamente.
E por frutos substanciais refiro-me ao fato de entender, conscientemente, o que poderíamos chamar de «planos históricos».
Dito de outra forma, estudar o Brasil sem ignorar os processos de formação dos discursos narrativos sobre nossa história.
A grande totalidade dos estudantes desconsidera, enfim, como a história é escrita.
Em grande parte, por assim dizer, são leituras que se encerram no conteúdo do livro, preterindo a lição mais importante: que a história, como objeto de estudo, nasce a partir de um profundo e lento diálogo, uma longa e trabalhosa discussão.
Mas diálogo e discussão com quem?
Primeiro, diálogo de uma pessoa — nós mesmos — com as fontes, os vestígios.
Depois, discussão com aqueles indivíduos que não mais estavam entre nós, mas que nos fornecem as linhas-mestras para a compreensão de determinados temas e assuntos. Entre nós, brasileiros, sobretudo uma discussão profunda e crítica a respeito da nossa civilização consigo própria e das etapas envolvidas nessa construção.
Quando nos apercebemos disso, podemos identificar que para cada versão sobre determinado fato ou narrativa histórica, ou seja, para cada opção de recorte histórico e para cada enfoque sobre determinado acontecimento, existe subjacente um indivíduo concreto e sua subjetividade.
Quando nos percebemos disso, é como se um mundo novo se descortinasse, aclarando dúvidas e afastando simplificações.
Pois a história nos deixa, nesse instante, de se mostrar como narrativa vazia e abstrata — que nasce pronta e determina, fatal, rematada — e passa a ser um processo interpretativo.
A partir de então, passamos a entender a História como uma interpretação.
Pode, à primeira vista, parecer uma observação banal. Mas ela carrega fortes implicações práticas.
Uma chave para abrir muitas portas
Existe, ao contrário, a tentativa, sempre precária e provisória, de explicar, aclarar, propor e desenvolver uma percepção e entendimento sobre o Brasil.
Por isso que a história do João Ribeiro é distinta da História do Brasil do Varnhagem. Por isso o enfoque de um Handelmann é diferente do enfoque de Southey.
Por isso o Brasil colonial de Capistrano de Abreu é distinto do de Caio Prado Junior que está noutra clave que o de Gilberto Freyre.
É por isso que o Brasil imaginado por Silvio Romero é diferente daquele Brasil refletido de Eduardo Prado.
Enquanto o ceacedista não entender a lógica do processo de formação do pensamento histórico e o papel desempenhado por esses intérpretes, dificilmente será possível entender esse desafio chamado Brasil.
Uma nação, muitas interpretações
E quem são esses intérpretes? Pois bem.
Ao longo de nossa história foram muitas as tentativas de explicar o Brasil.
De literatos — como Silvio Romero e Pe. Antonio Vieira — a sociólogos — de Oliveira Viana a Florestan Fernandes —, de historiadores — de Varnhagen a Pedro Calmon — a juristas — de Marquês de São Vicente a Raimundo Faoro — muitos e diversificados foram os empreendimentos narrativos que foram realizados nessa longa jornada.
Durante anos, apesar da natureza distinta dessas análises, percebemos uma unidade entre esses escritos, que está além das filiações doutrinárias e ideológicas desses autores.
Linhas gerais, os enfoques em grande parte circunscreviam-se na busca da identidade nacional, na estruturação do Estado Nacional e no relato sobre as grandes personagens históricas brasileiras
E eu, ceacedista, o que tenho a ver com isso?
Dito tudo isso, o candidato a diplomata pode se perguntar: então devo conhecer todos os intérpretes do Brasil e ler todas as obras mais importantes da nossa historiografia?
A resposta é um sonoro não. E por dois motivos.
O primeiro é o tempo, que seria demasiadamente longo. Afinal, você quer ser diplomata, e não um historiador. O segundo é que é possível entender essas interpretações a partir de enfoques específicos sem que precise estudar cronologicamente esses intérpretes.
Tão importante quanto saber essas contribuições é saber que elas existem, e que a história é um problema de muitas peças. Ela se aproxima mais de um torvelinho emaranhado do que de um plano linear autoevidente.
Guilherme Diniz
Professor e Historiador
Graduado em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP (2004/2008) e graduando em História (Licenciatura) pela Universidade Pioneira de Integração Social - UPIS (2019). É pós-graduado em Aplicações Complementares às Ciências Militares pela Escola de Formação Complementar do Exército. Desde 2017 é oficial de carreira do Exército Brasileiro, no Quadro Complementar de Oficiais (QCO). Atualmente, serve em Brasília (DF), no Departamento de Engenharia e Construção (DEC—SEEx). Pesquisador de História do Brasil, dedica-se particularmente à formação do pensamento social brasileiro e à História Diplomática do Brasil.
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