POR MARCÍLIO FALCÃO
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Talvez você já tenha ouvido falar da Teoria da Curva do Esquecimento, que muitos cursinhos apresentam como obrigatória para a revisão da matéria. Essa teoria foi fruto de experimento conduzido pelo psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus, que se propôs a decorar sequências aleatórias de sílabas, palavras e números, fora de um contexto, e medir sua retenção na memória ao longo de minutos, dias, semanas e meses. Concluiu que, ao cabo de um mês, 79% das sílabas eram esquecidas, resultado depois replicado por estudos semelhantes.
De uns anos para cá, vários cursos passaram a fundamentar seus métodos de estudo e revisão na curva do esquecimento. Esses métodos propõem programar as revisões para ocorrerem nos marcos temporais mostrados na curva: a primeira sessão será após 24h, a segunda após 48h, uma terceira na semana seguinte, em um mês, etc. Há variações. Praticamente não vejo mais um cursinho preparatório para concurso que não tenha falado do poder destrutivo dessa curva do mal pelo menos uma vez! Einstein disse que os juros compostos são a força mais poderosa do universo. No mundo dos concursos, os donos dos cursinhos juram que esse poder é da avassaladora curva do esquecimento. Impressionante, não?
Contenha-se, meu bom aprendiz! Antes que você tente decorar as porcentagens de conteúdo perdido em cada ponto do gráfico ou se ponha a montar um calendário de revisões baseado nessa teoria, considere algumas ponderações que fizeram este veterano na preparação para concursos rejeitar a teoria da curva do esquecimento quase que completamente nos métodos de revisão que normalmente recomenda. Admito que já fui ferrenho defensor de sua aplicação. Hoje entendo que seus princípios fazem mais sentido que seus métodos. A verdade é que a teoria de Ebbinghaus tem falhas conceituais e metodológicas que limitam seu uso no estudo de assuntos mais complexos.
Minha crítica mais elementar à adoção de métodos de estudo e revisão baseados na curva de Ebbinghaus é que eles desconsideram o contexto das informações e a dimensão emocional na assimilação do conteúdo. Essa miopia epistemológica, por si só, já relativiza a eficiência do método.
A crítica irrefutável, por outro lado, é de ordem prática. O método do estudo espaçado, embora eficaz, em teoria, quando aplicado tal como proposto pode funcionar para uma pessoa que não está envolvida num projeto tão ambicioso quanto o seu. A preparação para o CACD demanda intensa carga de leitura, estudo e produção textual, que se vai acumulando com o tempo. Um curso de anatomia para artistas, por exemplo, que tem escopo curto de tempo e quantidade de matéria definidos, pode ter revisões espaçadas de acordo com a curva aludida, sem prejuízo algum para a aprendizagem. Para o CACD (e outros concursos de alta concorrência), o espaçamento das revisões guiada por calendário inflexível dificulta o avanço no conteúdo novo, gera acúmulo de revisões e principalmente causa um estresse crônico por causa da incapacidade de manter-se atualizado com o cronograma e com o planejamento previstos. Sei o que digo: senti na pele e vi muita gente perder fios de cabelo por isso. Não importa o quanto você tente fazer um plano de revisões perfeito baseado nesse método, mesmo valendo-se de cálculos complexos: o esforço não compensa o benefício. A confecção e o cumprimento do cronograma terminam virando um objetivo em si, inadministrável após alguns meses de estudo.
No fim das contas, a CE tem maior valor pelos princípios extraídos da própria teoria do que pela parte supostamente tangível, ou seja, os marcos temporais indicados para revisão. Os princípios mais relevantes referem-se às noções de que o tempo nos faz esquecer e que o espaçamento dos estudos é desejável, óbvios, portanto. Em contraste, é justamente o aspecto mais complexo da teoria (e menos eficaz, pelas razões já comentadas) que é comercializado. Não é a resposta simples — quase sempre a melhor — que vende! Os cursinhos gostam de construir métodos que impõem a aplicação de um calendário rígido baseado na CE e apresentá-los como a panaceia para sua preparação! É chique dizer ao aluno que ele vai estudar com base numa teoria de um gênio alemão chamado Ebbinghaus, não acha? Dá até para fazer uma sigla com o nome da teoria! Voilà: temos o método perfeito! Se funciona, aí já é outra coisa. Veneno serve-se em taça de ouro, lembra?
Em resumo: as revisões calcadas na CE somente funcionam se o volume de matéria é baixo, se as informações a memorizar estão fora de contexto ou não têm relevância. Em outras condições, o candidato deveria valer-se de outros métodos muito mais eficientes.
Nesse sentido, a Teoria do Esquema, que trata sobre como aprendemos, do professor de psicologia britânico Frederic Bartlett, faz muito mais sentido, principalmente para o estudo para concursos de altíssimo desempenho, como o CACD. Ele entendia que a memória é uma reconstrução dos fatos com base nos elementos-chaves que passam pelo crivo da personalidade, ou seja, os filtros culturais, da bagagem intelectual e preconceitos individuais. Nossa mente tenta reconstruir o conhecimento com base naqueles filtros individuais, usando uma narrativa para ligar esses pontos e preencher os vácuos de informação de uma maneira que seja coerente para cada um. Isso reforça a importância do contexto e do envolvimento emocional com o assunto visto ou experiência vivida. Quem esquece o primeiro beijo ou a primeira noite (ou dia) de amor? Não importa há quanto tempo tenha sido: sua memória vem reconstruindo esse momento há anos (nem tantos assim, em alguns casos) — por mais que você não se esforce para lembrar dele de vez em quando —, preenchendo os vazios com fragmentos de informações que são coerentes para você por terem sido moldados pelos seus filtros. Você não precisou reviver aquela experiência para se lembrar dela, ou pelo menos para não a esquecer. Faz sentido?
O que não dizem é que, quando o estudo é permeado de contexto e relevância pessoal, esquecemos menos do que costumam fazer-nos acreditar. O erro não está no que fazemos para relembrar, mas na forma como encaramos o processo de aprendizagem desde o início. — Mas então, meu bom Marcílio, como faço para aprender e revisar melhor? Resposta curta: a retenção do conteúdo vai depender muito mais da relação íntima que você estabeleceu com ele, que precisa ser cultivada. Para isso, você precisa se deixar transformar pelo texto, encontrar a relevância daquilo tudo, refletir sobre ele, escrever, expressar seus novos conhecimentos, de preferência, com resenhas ou exposições realizadas por você. Se você não consegue explicar um assunto com naturalidade é porque você não o aprendeu satisfatoriamente. É inevitável que isso levará mais tempo. É a vida, lamento! Contudo, no longo prazo, você terá um melhor domínio do assunto e precisará de menos revisões para resgatá-lo, porque ele já fará parte de você. Uma relação bem construída tem o potencial ter a mesma relevância do seu primeiro beijo. Claro que isso não ocorrerá sempre, com todos os assuntos, ou você começaria a ter sonhos animados com Francisco Doratioto. Capice?
— Mas como fazer isso? Como criar essa intimidade com o assunto, esse envolvimento emocional, de modo que ele tenha relevância para mim e não seja esquecido? Como organizo meus estudos de uma forma que consiga avançar na matéria sem esquecer o que ficou para trás? Como reviso melhor os assuntos do CACD? Alguns princípios comentados acima já dão conta de responder parte da questão, mas deixarei as respostas completas para um próximo artigo, em que pretendo apresentar métodos mais eficientes para resolver esses problemas e demonstrar como aplicá-los tanto para assimilar novos assuntos quanto para revisão e resgate do conteúdo estudado.
Marcílio Falcão
Diplomata
Marcílio Falcão (@falcao.marcilio) é diplomata de carreira há quase 12 anos e orientador para o CACD. Jornalista de formação, iniciou-se na docência há 23 anos e se dedicou, de forma intermitente, desde sua aprovação no CACD, à preparação de outros candidatos ao concurso.
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