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A ilusão da complexidade na preparação para o CACD

cacd planejamento de estudos

POR MARCÍLIO FALCÃO

As pessoas excepcionais despertam fascínio. Sempre que me deparo com uma, tento aprender algo novo, entender a mentalidade com que enfrenta problemas indecifráveis com soluções que parecem óbvias depois de alcançadas. É isso que as torna curiosamente especiais. Para a resolução de meus próprios problemas e dos daquelas pessoas que me importam, sempre busco inspiração naqueles gênios das áreas de conhecimento que mais me interessam: no ensino e aprendizagem, nas esculturas, nas competições esportivas de alta performance, na preparação para concursos públicos e nas finanças. Todos esses assuntos têm uma relação com o CACD, por responderem muito bem à aplicação de métodos simples na busca pela excelência. E o traço comum que todos esses seres extraordinários exibem é justamente essa capacidade de descomplicar conceitos extremamente complexos. Com toda a simplicidade de sua sabedoria, Forrest Gump explicou como atravessou os EUA correndo da forma mais elementar possível: Corri até o fim da rua. Quando cheguei lá, achei que devia correr até o fim da cidade.

Complexo, portanto, não significa melhor. Que não se confunda complexidade com sofisticação intelectual e metodológica, que devem ser perseguidas. Falo apenas do complicar para dificultar, ou seja, rebuscar o que poderia ser apresentado de forma simples, despida de distrações. Em contraste, o entendimento de que a explicação mais simples, na ausência de alternativa verificável, quase sempre é a melhor — princípio lógico e epistemológico conhecido por Navalha de Occam — produziu os resultados mais eficientes de que tomei conhecimento em todos aqueles campos citados acima. Não é à toa que 80% dos benefícios são gerados a partir de 20% das causas. Esse é o real valor da simplicidade.

Lamentavelmente, na prática do mercado dos concursos públicos, as soluções aparentemente mais sofisticadas e complexas são sempre mais sedutoras ao cliente — e o mercado vive de criar problemas e oferecer soluções. Quanto mais essas soluções aparentam ter o potencial de salvar o planeta, maior seu preço. É o veneno servido em copo de ouro. São as siglas, acrônimos e acrósticos que rotulam os métodos (que não querem dizer nada, são só uma marca comercial); são as aplicações teóricas mirabolantes (Curva do Esquecimento, ciclo ABCDEFG); são as técnicas de estudo estéreis, que dão a falsa sensação que fizemos algo, mas que não evitam que esqueçamos o assunto depois de duas horas; são os cursos extensivos de 600 horas, cujo cumprimento toma precedência sobre a assimilação do conteúdo; os simulados descontextualizados; os mentores, mentoras e coaches que nunca passaram no concurso, etc.

Muito cuidado, portanto, ao seguir recomendações de uma pessoa que cobra para dar conselhos sem ter nada a perder quando dão errado. Esses mentores — quando são de fora da carreira ou nunca passaram em concurso de igual complexidade — são como virgens querendo ensinar a usar o Kama Sutra.

A verdade é que quem sustenta o mercado de concursos não são os aprovados, mas justamente os que falham, que representam mais 99,5% dos alunos pagantes (muitos aprovados contam com bolsa de estudos, para inflar os índices de aprovação dos cursos). Esse dado interfere de maneira inexorável na conduta das empresas: elas querem que todos passem, mas não têm como garantir a aprovação geral, já que as vagas são finitas. Por isso, a relação deve ser honesta. Seu cursinho, professor ou orientador (coach/mentor/tutor/guru/oráculo/guia) tem que ser um parceiro que vai ajudar a desenvolver seu potencial máximo de aprovação. Ele (ou ela) tem a obrigação moral de colocar algo em jogo, arriscar um pouco de suas próprias fichas, já que está manipulando os sonhos, o tempo e o dinheiro de outras pessoas. Não é justo que não compartilhe os riscos. É confortável para qualquer provedor de serviços esquivar-se de responsabilidades. Se você passar, o curso capitaliza com seu sucesso: passou porque o método é ótimo! Se reprovado, só pode ser porque não seguiu à risca o método e as recomendações passadas! Não se deixe impressionar apenas por quantos candidatos um determinado curso aprovou. Questione por que (e se) seus métodos funcionam e sobretudo tente identificar com qual (se é que há alguma) penalidade eles arcarão se você não passar! Se não houver alguma, suspeite!

Desconfie se não houver a possibilidade de receber até 100% de reembolso ao final de todo o programa, caso ele tenha sido elaborado de forma personalizada. Não que você tenha que passar, porque isso inviabilizaria qualquer negócio, mas tem que ter certeza de que extraiu algum valor do serviço contratado. É uma questão de honestidade e ética profissional. Desconfie mais ainda de quem promete soluções que dependem muito pouco ou quase nada de um intenso engajamento de sua parte. Caça-níqueis são, meu jovem Padawan, métodos e serviços que entregam esquemas e mapas mentais já prontos; que não estimulam seu desenvolvimento como autodidata — e até o tolhem, para criar dependência; que entregam calendários de estudos pré-fabricados, sem levar em conta suas circunstâncias particulares (embora tenha algum valor para candidatos muito iniciantes); que não deixam nada do assunto para você esmiuçar, já que tudo vem pré-digerido; e principalmente que não exigem uma alta carga de estudo ativo, com tarefas diárias de produção escrita. Eles dão a falsa impressão de que você está produzindo algo, o que pode ser até pior do que não fazer nada. Você se engana e a frustração é maior quando não aprende (e não passa), sem saber por quê. É fácil mandar o aluno sentar no sofá e assistir a um curso de 300 horas de História do Brasil. Esse é o valor que você dá ao seu tempo? Não seja insípido: aprendemos melhor com textos difíceis e aulas de altíssimo nível! Enquanto isso, os fortes sempre continuarão devorando os mais fracos. Escolha seu lado: não tolere a mediocridade.

Meus pontos principais são os seguintes: adote métodos simples mas eficazes que não precisem de um aparato de gestão apenas para garantir que serão cumpridos. Não perca seu sono se não está conseguindo acompanhar as 600 horas do cursinho de História ou se não está cumprindo um calendário quase esotérico de revisões. A maior parte de seu sucesso virá da aplicação da disciplina no cumprimento de um plano de estudos eficiente. Combine isso com uma preparação centrada no desenvolvimento de sua capacidade de reflexão, expressão e persuasão por meio do texto. Essa é a forma mais eficiente de ascender em qualquer estrutura hierárquica (CACD incluído). Já pensou em quem é que tem que convencer para passar no concurso? 


Marcílio Falcão

Diplomata

Marcílio Falcão (@falcao.marcilio) é diplomata de carreira há quase 12 anos e orientador para o CACD. Jornalista de formação, iniciou-se na docência há 23 anos e se dedicou, de forma intermitente, desde sua aprovação no CACD, à preparação de outros candidatos ao concurso.

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